Terça, 09 Julho 2013 09:18
Portugal e Noruega. Duas nações que têm criado uma relação de parceria com ganhos evidentes para ambos. Assim se continue a promover e a fomentar esta ligação. Atenta à relevância deste cenário, a Revista Pontos de Vista conversou com Christian Nordahl, Representante do Conselho Norueguês das Pescas em Portugal e uma personalidade conhecedora destes dois países, que revelou como tem sido criada essa dinâmica, onde a NORGE tem tido um papel fundamental, e que lembrou ainda que o bacalhau, entre outros, tem sido um «veículo» promotor dessa ligação entre Portugal e Noruega.
Há muito tempo que o consumo de bacalhau está intrinsecamente enraizado na cultura e nos hábitos da sociedade portuguesa. Cerca de um quarto do bacalhau que se pesca em todo o mundo, come-se cá e só o melhor atravessa as fronteiras nacionais. Apesar de muitas famílias cortarem em bens essenciais, como a alimentação, o Bacalhau continua a ser o “fiel amigo” dos portugueses?
Efetivamente o bacalhau continua a ser o fiel amigo dos portugueses e a prova disso está no crescimento do consumo que se registou no bacalhau em cerca de três por cento, o que mostra que não é só o fiel amigo, mas que é um peixe em que os portugueses confiam.
Ainda permanece a ideia de que o bacalhau é dos peixes mais caros disponíveis no mercado. Qual tem sido o papel da NORGE no sentido de desmistificar esta ideia?
O bacalhau salgado seco é e facto um peixe acessível, apesar de existir o mito de que é um peixe caro. Suponha-se, por exemplo, que o preço por kg do bacalhau crescido ronda os 6 euros. O bacalhau salgado seco é um peixe limpo, já sem cabeça e sem tripas e será demolhado. Na demolha, o peixe recupera a água perdida durante o processo de secagem, ou seja recupera 30 por cento do seu peso. Assim um bacalhau de 2 kg passou a pesar 2,7 kg. Ora o preço real por kg do bacalhau passou a ser realmente de 4,5 euros. Se se olhar para as bancas de peixe poder-se-á perceber que o bacalhau é efetivamente um peixe acessível às bolsas dos consumidores.
Uma das grandes missões da Norge passa pelo reforço da presença do salmão nos lares portugueses. O que tem sido feito nesse sentido? O facto de ser um produto que, tal como o bacalhau, é bastante versátil, continua a ser do desconhecimento geral?
Nos últimos anos têm sido realizadas ações de esclarecimento para os vários setores de atividade sobre a versatilidade do salmão. Em resultado disto o consumo também tem crescido. Por exemplo no ano de 2012, em Portugal, consumiram-se cerca de 12 mil toneladas de salmão. No ano anterior, 2011, o consumo registado tinha sido de 9,5 mil toneladas. Ou seja o consumo de salmão tem crescido muito positivamente em Portugal, devido a vários fatores, como seja a sua versatilidade, ser preferido por grande parte das crianças, ser referência no sushi e estar sempre presente nas bancas de peixe. Os números de consumo dizem que os portugueses apreciam bastante o salmão e que o têm incluído na sua alimentação.
Em Portugal, tem sido feito o suficiente para promover a qualidade do bacalhau? Desde as suas origens à sua frescura, este produto tem sido valorizado?
Penso que da parte da Norge tem sido realizados os esforços para demonstrar a qualidade do bacalhau da Noruega. Temos convidados regularmente várias pessoas para visitarem as zonas pesqueiras norueguesas, desde jornalistas, a chefes de cozinha, de modo a mostrar como é todo o procedimento desde a pesca até à preparação do bacalhau. E penso que temos conseguido mostrar que na Noruega existe uma preocupação de sustentabilidade na gestão dos stocks marinhos, que as águas do Mar da Noruega são das mais puras do planeta, e que os métodos de pesca utilizados são os mais adequados para conseguir que o bacalhau chegue nas melhores condições à mesa dos portugueses.
Nem todos os portugueses podem ser especialistas em gastronomia ou estarem aptos para saber distinguir o Bacalhau proveniente da Noruega de outros que circulam no mercado. Que conselhos transmitiria no sentido de ajudar o consumidor a saber fazer esta distinção?
Essa tem sido uma preocupação para a qual conseguimos uma solução. Todo o bacalhau cujo processamento é totalmente efetuado na Noruega é etiquetado, indicando a sua origem. Sobre esse bacalhau não há dúvidas, uma vez que ele é certificado na origem. Mas também há que dizer que uma parte do bacalhau exportado pela Noruega para Portugal é acabado de secar em Portugal. Apesar de ser bacalhau da Noruega, só não tem a etiqueta de origem uma vez que é tratado por diferentes operadores. Não deixa de ser um produto fiável, apenas não pode exibir a etiqueta de origem dado este sistema repartido na processo de cura.
Tem sido uma das grandes lutas da Noruega unir esforços para que a tradição associada ao bacalhau seja sempre preservada. Na prática, em que tem consistido este trabalho?
Existe uma frase que usamos e que, penso, traduz de forma clara o que temos feito: O bacalhau é da Noruega, a tradição é Portuguesa! Efetivamente é em Portugal que se encontra a maior variedade de receitas de bacalhau do Mundo. E digo sem veleidade que é em Portugal que se come o melhor bacalhau do Mundo. A tradição culinária do bacalhau está aqui em Portugal. E é essa tradição que nós queremos ajudar a preservar.
Num período de crise, a indústria de peixe seco, apesar de alguns índices mais baixos, tem sido capaz de reforçar a sua posição em termos de exportações. A que se deve este fenómeno?
A indústria de peixe seco norueguesa tem mantido as suas expectativas e a sua capacidade. Este ano, porque o preço do bacalhau desceu nos mercados internacionais, perspetivam-se menos lucros, mas o volume de bacalhau exportado deverá crescer em relação ao ano anterior, uma vez que a quota de pesca para 2013 também cresceu.
Em Portugal, o valor do mar assume potencialidades que são determinantes para o relançamento da economia portuguesa e para a preservação dos recursos naturais. As gerações atuais têm consciência da importância da nossa cultura marítima?
Espero que, a exemplo do que na Noruega se tem feito, em Portugal se siga exemplo semelhante. Para que seja mantida a relação com o mar, na Noruega, existem várias escolas de pesca que tem uma ação próxima dos jovens das escolas primárias, de modo a que eles percebam desde novos como é o mar, como se pesca, como se pode ter uma profissão na pesca.
No seu entender, é necessário estimular as relações comerciais e produtivas entre estes dois mercados no sentido de reforçar igualmente o progresso económico e social de ambos? O que é que ainda falta fazer?
Isso é resposta que só pode ser dada pela dinâmica dos mercados. Existem exemplos de instalação na Noruega de portugueses que passaram a operar como exportadores para as suas empresas em território português. E existe também o exemplo da aprendizagem do processo de secagem do bacalhau em túneis de vento, que foi ensinada pelos industriais portugueses aos noruegueses.
Em 2012, a exportação de bacalhau da Noruega para Portugal foi de 42 mil toneladas, uma redução de 15 por cento comparativamente com 2011. O impacto da atual conjuntura económica preocupa os pescadores noruegueses?
O ano de 2012 pode ser considerado um ano anormal em termos de importações, porque havia stock suficiente nas lojas. Há que recordar que no início de 2011 não havia bacalhau nas lojas nem em stock em Portugal, logo a importação foi bastante superior de forma a criar um stock de reserva. No ano seguinte, 2012, as importações foram, logicamente, menores, e refletem o regresso à estabilidade de stocks realizada pelos importadores portugueses. Logicamente que os pescadores e os exportadores noruegueses vivem sempre preocupados com uma possível redução das exportações. Mas a Noruega não exporta apenas para Portugal e, refira-se, a procura por bacalhau continua forte por parte de outros mercados. Tenho que reconhecer que, por tradição, os exportadores noruegueses têm sempre em conta o mercado português como preferencial e reservam sempre o melhor bacalhau para exportar para Portugal. Caso a redução de exportações acontecesse (e pelo decorrer deste ano de 2013 as exportações de bacalhau para Portugal voltaram ao seu padrão) isso não os impediria de procurar outras soluções para poderem exportar o peixe. Mas há que referir também que em 2012 o consumo de bacalhau cresceu em Portugal quase 10 por cento.
As relações entre Portugal e a Noruega vão muito além da exportação de bacalhau. Nos últimos tempos, mão de obra qualificada portuguesa tem sido acolhida por entidades norueguesas que ajudam os nossos jovens a singrar em termos profissionais. De que forma a Noruega pode ajudar Portugal a reerguer-se desta crise económica?
A Noruega é um país que acolhe com simpatia quem respeita os nossos valores de trabalho e de empenho. Muitos portugueses, jovens ou menos jovens, têm encontrado uma vida profissional na Noruega. E têm descoberto que os noruegueses são pessoas francas e solidárias. Por isso têm ficado, apesar do clima frio, apesar de outros hábitos alimentares. A Noruega como país, tem apoiado Portugal, seja participando nos leilões de dívida que o estado português tem feito, seja apoiando alguma investigação científica portuguesa, dado o papel que a educação e a investigação têm no futuro dos povos.
Que linha estratégica tem sido utilizada pela NORGE para reforçar os laços entre Portugal e a Noruega, tendo como pano de fundo o papel que o bacalhau assume nestas ligações?
Há que reconhecer que a Norge também contribui para que o consumo de peixe em Portugal se mantenha nos níveis habituais. É claro que para nós o bacalhau e o salmão são os peixes primordiais, mas sabemos que todos os que estão relacionados com peixe acabam por beneficiar deste facto.
A Norge, uma vez que representa os exportadores noruegueses de pescado, não pode alargar o seu papel para muito além do âmbito das pescas. Mas dou como exemplo algumas ações de promoção gastronómica que temos apoiado em Portugal, desde o concurso culinário Revolta do Bacalhau, a ações de divulgação de sushi, como ações de formação para trabalhadores dos balcões de peixarias. Pensamos que esse é o nosso contributo para apoiar quem prefere o sabor dos peixes criados em águas frias, puras e cristalinas como são as do Mar da Noruega.